No tempo da minha infância (Ismael Gaião) (enviada pela atenta e sapiente colaboradora Maria Marli Ferraz e Santos) No tempo da minha infância Nossa vida era normal Nunca me foi proibido Comer muito açúcar ou sal Hoje tudo é diferente Sempre alguém ensina a gente Que comer tudo faz mal Bebi leite ao natural Da minha vaca Quitéria E nunca fiquei de cama Com uma doença séria As crianças de hoje em dia Não bebem como eu bebia Pra não pegar bactéria A barriga da miséria Tirei com tranquilidade Do pão com manteiga e queijo Hoje só resta a saudade A vida ficou sem graça Não se pode comer massa Por causa da obesidade Eu comi ovo à vontade Sem ter contra indicação Pois o tal colesterol Pra mim nunca foi vilão Hoje a vida é uma loucura Dizem que qualquer gordura Nos mata do coração Com a modernização Quase tudo é proibido Pois sempre tem uma Lei Que nos deixa reprimido Fazendo tudo que eu fiz Hoje me sinto feliz Só por ter sobrevivido Eu nunca fui impedido De poder me divertir E nas casas dos amigos Eu entrava sem pedir Não se temia a galera E naquele tempo era Proibido proibir Vi o meu pai dirigir Numa total confiança Sem apoio, sem air-bag Sem cinto de segurança E eu no banco de trás Solto, igualzinho aos demais Fazia a maior festança No meu tempo de criança Por ter sido reprovado Ninguém ia ao psicólogo Nem se ficava frustrado Quando isso acontecia A gente só repetia Até que fosse aprovado Não tinha superdotado Nem a tal dislexia E a hiperatividade É coisa que não se via Falta de concentração Se curava com carão E disso ninguém morria Nesse tempo se bebia Água vinda da torneira De uma fonte natural Ou até de uma mangueira E essa água engarrafada Que diz-se esterilizada Nunca entrou na nossa feira Para a gente era besteira Ter perna ou braço engessado Ter alguns dentes partidos Ou um joelho arranhado Papai guardava veneno Em um armário pequeno Sem chave e sem cadeado Nunca fui envenenado Com as tintas dos brinquedos Remédios e detergentes Se guardavam, sem segredos E descalço, na areia Eu joguei bola de meia Rasgando as pontas dos dedos Aboli todos os medos Apostando umas carreiras Em carros de rolimã Sem usar cotoveleiras Pra correr de bicicleta Nunca usei, feito um atleta, Capacete e joelheiras Entre outras brincadeiras Brinquei de Carrinho de Mão Estátua, Jogo da Velha Bola de Gude e Pião De mocinhos e Cawboys E até de super-heróis Que vi na televisão Eu cantei Cai, Cai Balão, Palma é palma, Pé é pé Gata Pintada, Esta Rua Pai Francisco e De Marré Também cantei Tororó Brinquei de Escravos de Jó E o Sapo não lava o pé Com anzol e jereré Muitas vezes fui pescar E só saía do rio Pra ir pra casa jantar Peixe nenhum eu pagava Mas os banhos que eu tomava Dão prazer em recordar Tomava banho de mar Na estação do verão Quando papai nos levava Em cima de um caminhão Não voltava bronzeado Mas com o corpo queimado Parecendo um camarão Sem ter tanta evolução O Playstation não havia E nenhum jogo de vídeo Naquele tempo existia Não tinha vídeo cassete Muito menos internet Como se tem hoje em dia O meu cachorro comia O resto do nosso almoço Não existia ração Nem brinquedo feito osso E para as pulgas matar Nunca vi ninguém botar Um colar no seu pescoço E ele achava um colosso Tomar banho de mangueira Ou numa água bem fria Debaixo duma torneira E a gente fazia farra Usando sabão em barra Pra tirar sua sujeira Fui feliz a vida inteira Sem usar um celular De manhã ia pra aula Mas voltava pra almoçar Mamãe não se preocupava Pois sabia que eu chegava Sem precisar avisar Comecei a trabalhar Com oito anos de idade Pois o meu pai me mostrava Que pra ter dignidade O trabalho era importante Pra não me ver adiante Ir pra marginalidade Mas hoje a sociedade Essa visão não alcança E proíbe qualquer pai Dar trabalho a uma criança Prefere ver nossos filhos Vivendo fora dos trilhos Num mundo sem esperança A vida era bem mais mansa, Com um pouco de insensatez. Eu me lembro com detalhes De tudo que a gente fez, Por isso tenho saudade E hoje sinto vontade De ser criança outra vez |
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