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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Mauro Beting - SÓCRATES BRASILEIRO E SUA HISTÓRIA...

[Opinião] Sócrates Brasileiro


Cachaça, que não se perca pelo nome, é um dos tantos grandes amigos que Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira (o mais longo e mais decorado nome de craque da história do futebol brasileiro) curtiu em 57 anos de vida. E que vida.

É dele a melhor e mais completa e complexa definição de um craque indefinível.

“O Sócrates é um artista”.

A explicação socrática: “Ele é um artista porque dizem que foi craque – e só jogava de costas, de calcanhar; dizem que é médico – e nunca operou nem uma galinha. Enfim, o cara é mesmo um artista: dizem que foi craque e médico. E não foi nem uma coisa e nem outra”.

Sócrates adorava a história. Fazia questão de contá-la sempre nas tantas vezes que saímos para jogar conversa dentro, para fazer eventos onde ele contava histórias e estórias onde ele também era a própria história. Embora adorasse apenas se colocar entre tantos operários dessa obra inacabada e imperfeita do futebol que ele soube fazer como arte e ideologia como raros. Mais um operário dentro da máquina que ele adorava contestar com ideias e ideais raros. Até os utópicos. Utopia que o encharcava mais que as cervejas e os vinhos que jamais renegou.

Ou melhor, deixou de lado para se preparar para capitanear o grande Brasil de 1982. Quando emagreceu, parou de beber, ganhou o físico que nunca quis ter. E foi exemplar até o antidoping contra a Escócia, em Sevilha. Quando tomou tudo que podia para colher o material e ser recolhido no vestiário por um velho amigo.

Ainda assim, como todo o Brasil, fez um grande Mundial. Não ganhou a Copa, mas conquistou o mundo. Como, meses depois, começaria a ganhar o respeito do país comandando uma revolução que começou no Parque São Jorge e correu o Brasil. A Democraria Corintiana. Que se garantia em campo no bi paulista de 1982-83. Mas, fora dele, fez muito mais. E não só pelo clube. Pelo torcedor, pelo cidadão. Pela liberdade.

Livre. Era assim o Sócrates que brilhava no Botafogo de Ribeirão Preto até ser comprado pelo Corinthians, em 1978. Onde ficou até o Congresso dizer “não” para as Diretas-Já, em abrir de 1984, e ele ir de mala e cuia para Florença. Para receber o primeiro salário na Fiorentina, esquecer de pegar o resto, e ficar só um ano por não jogar o muito que sabia, e não se dar com quem nem sempre dava tudo pelo time e pelo futebol.

Flamengo com Zico, Santos com Wladimir de outras batalhas, e o ponto final na carreira. Médico, músico, comentarista do Sportv (onde trabalhamos juntos em 1995), apresentador de TV (tínhamos um projeto conjunto de programa de TV que nunca conseguimor realizar), e mais um monte de atividades. Tantas quantas mulheres e filhos. Tantos quantos amores e paixões.

Com a bola, não era atleta como o “pivete” Raí, craque-bandeira do São Paulo. Mas era mais genial. Cerebral. Mágico. Brilhante. O artista, na definição do amigo Cachaça. O cara que aceitou do amigo Mazinho o pagamento em cerveja perpétua de diferença em venda de imóvel.

Um amigo leal. Um craque. Um gênio. Um Brasileiro.

“Só quem entende a beleza do perdão pode julgar seus semelhantes”, disse Sócrates, o que não sabia jogar bola.
Só quem viu jogar e teve o privilégio da amizade pode entender a beleza que não admite julgamentos.
Obrigado, doutor honoris causa.

O Brasil, mais que o futebol, agradece a coragem.

P.S.: Escrevi este texto no Pacaembu, 12h30 deste domingo quando perdemos Sócrates.

Onde um dia, ainda pelo Botafogo, nos anos 70, o Doutor chegou tarde para um jogo pelo Paulistão. À tarde ele havia ficado em Ribeirão Preto para fazer prova na Faculdade de Medicina. Chegou em cima da hora ao estádio onde não havia atuado. Mal sabia por onde entrar. Sem documento algum, nem RG, foi duro convencer que ele poderia entrar no estádio. Não sabia onde era o vestiário. Mais difícil ainda foi fazer entender ao porteiro que ele era jogador com aquele jaleco e com aquela magreza toda.Mal chegou, mal se aqueceu, e foi o maior em campo.

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