domingo, 1 de setembro de 2013

EUREKA! Numa crônica do escritor Eça de Queiroz. (saber não ocupa lugar...)

Eureka!

O escritor Eça de Queiroz, num texto da Campanha Alegre, descreveu de maneira assaz hilariante a situação da marinha portuguesa em finais do século passado. 
Reza assim a sua crónica:
«É uma marinha inválida. A D. João tem 50 anos, o breu cobre-lhe as cãs: O seu maior desejo seria aposentar-se como barca de banhos.
A Pedro Nunes está em tal estado que, vendida, dá uma soma que o pudor nos impede de escrever. O Estado pode comprar um chapéu no Roxo com a Pedro Nunes - mas não pode pedir troco.
A Mindelo tem um jeito: deita-se. No mar alto, todas as suas tendências, todos os seus esforços são para se deitar. Os oficiais de marinha que embarcam neste vaso fazem disposições finais. A Mindelo é um esquife a hélice.»
A corveta Mindelo tem pois dificuldades em flutuar direita. Deita-se logo que é deitada ao mar. Corre, portanto, o risco de se afundar.

De nada lhe vale a lei de Arquimedes, que diz que todos os barcos devem flutuar porque, logo que deitados à água, surge uma força vertical, de baixo para cima, que equilibra o peso do barco.
Porque é que os navios, em geral, flutuam? Desde quando se sabe a razão de os navios flutuarem?
Arquimedes, autor da lei com o mesmo nome, era grego. Viveu no século III antes de Cristo na cidade de Siracusa, na Sicília, que então pertencia à Grécia. Arquimedes foi um dos maiores sábios da Antiguidade. Ocupou-se tanto dos factos concretos da natureza como dos factos abstractos da geometria e dos números. Isaac Asimov, autor moderno de livros de divulgação e ficção científica (publicou até agora mais de duzentos!), quando um dia lhe pediram uma lista dos dez maiores cientistas de sempre, colocou Arquimedes como o único cientista da Antiguidade Clássica nessa lista dos «dez mais». Comparou Arquimedes a Darwin, Einstein, Faraday, Galileu, Lavoisier, Maxwell, Newton, Pasteur e Rutherford (por ordem alfabética, para não magoar ninguém). Arquimedes é, de facto, o único sábio antigo cujas conclusões ainda aparecem hoje, tal qual foram formuladas, nos manuais de física para as escolas.
Contam-se várias histórias de veracidade duvidosa sobre Arquimedes, em parte porque ele viveu há muitos anos e em parte porque aos grandes homens se costumam associar relatos mirabolantes.
Uma dessas histórias atribui-lhe uma frase grandiloquente: «Dêem-me um ponto de apoio e eu levantarei o mundo». 


Arquimedes queria, imodestamente, fazer mover o mundo. Dada a massa da Terra, uma certa alavanca, tão comprida como a distância da Terra à Lua, e a força de que eventualmente seria capaz Arquimedes, pode ser um exercício divertido de física saber onde se devia colocar o fulcro de uma tal alavanca para que o nosso planeta se erguesse no espaço... 



Outra história confere-lhe a primazia na utilização da física para fins militares: Arquimedes teria incendiado uma esquadra inimiga com poderosos espelhos, reflectores da luz solar, antecipando assim as armas «laser» que o governo norte-americano pretende actualmente desenvolver com o projecto da «guerra da estrelas».

Apesar desse e doutros inventos defensivos, Arquimedes viria mais tarde a ser morto por um soldado do exército romano que ocupou Siracusa (isto mostra que não há defesa absolutamente segura!). A lenda conta que Arquimedes não abandonou, mesmo ameaçado pelo inimigo, os diagramas matemáticos que estava a estudar...
Outra história sobre Arquimedes refere-se a um problema que o rei de Siracusa lhe teria dado para resolver. O monarca tinha encomendado a um ourives uma coroa de ouro maciço. Receando que o ourives o tivesse enganado, o rei resolveu pedir ao sábio Arquimedes para descobrir se a coroa era mesmo e só de ouro. Arquimedes matutou e matutou, até que acabou por descobrir uma solução. Arranjou um pedaço de ouro e um pedaço de prata, ambos com o mesmo peso da coroa (foi portanto uma experiência cara, mas, como se tratava de uma experiência «real» não era caso para poupar). Com uma balança de pratos, verificou que todas as três peças tinham o mesmo peso.

Depois mergulhou-as, uma a uma, num recipiente cheio de água até à borda, tendo medido a quantidade de água que se entornava de cada vez. A peça de ouro entornava menos água. A peça de prata entornava mais água. A coroa real correspondia a uma situação intermédia entre um caso e outro. Logo, concluiu Arquimedes, o volume da coroa é maior do que o pedaço de ouro maciço e menor do que o pedaço de prata maciça. A coroa não era pois de ouro maciço. O rei tinha sido enganado e, quando o soube, ficou naturalmente furioso.
Dizemos hoje que o ouro é mais denso do que a prata. A densidade é a razão entre a massa e o volume. Um corpo é mais denso do que outro se, tendo uma massa igual, ocupar menor volume, ou, o que é o mesmo, se o mesmo volume tiver maior massa. Os valores da densidade do ouro e da prata são respectivamente, 19,3 g/cm3 e 10,5 g/cm3, em condições normais. Para comparação, a densidade da água é 1,0 g/cm3 (um valor assim tão certo não aparece por acaso: acontece que o quilograma é definido para que um litro de água - 1000 cm3 - tenha a massa de um quilo - 1000 g). Se o leitor quiser ter a certeza de que as suas preciosas jóias de família são mesmo de ouro, basta pesá-las, mergulhá-las em água, vendo de quanto é que esta sobe (não precisa entornar água, a diferença entre os dois níveis de água, antes e depois da imersão, dá-lhe o volume do objecto), e, finalmente, dividir a massa pelo volume. Se o resultado for menor do que o valor da densidade do ouro, tenha paciência mas alguém foi enganado com o ouro. Se for maior... bem, se for maior, repita a experiência com mais cuidado porque não é provável que as suas jóias contenham metais mais densos do que o ouro (a platina, por exemplo, é um pouco mais densa, mas é também um pouco mais cara!).

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A história mais conhecida de Arquimedes é, porém, a do grito de «Eureka!». Conta a lenda - pois que de uma lenda se trata - que estava o sábio grego, um belo dia, a tomar banho numa banheira, porventura entretido com o problema da coroa do rei. De repente, deu-lhe um lampejo súbito e largou a correr, nu, pelas ruas da cidade a gritar «Eureka, Eureka!», o que significa: «Descobri, descobri!».
Tratou-se, se acaso a lenda é verdade, de um dos primeiros actos de happening de que há memória, de teatro espontâneo na praça pública. A palavra grega Eureka faz parte do vocabulário moderno, existindo até um programa europeu de investigação e desenvolvimento com esse nome. Serão porventura muitos os gritos de «Eureka» que hoje se soltam pelos laboratórios europeus, mas, evidentemente, já ninguém sai nu, a correr pelo centro da cidade...
O que impulsionou Arquimedes? O que é que Arquimedes tinha acabado de descobrir? Nada mais nada menos do que a celebrada lei de Arquimedes.
E o que diz a lei de Arquimedes? Esta pergunta costuma ser feita nos exames escolares e há sempre alunos que gostam de dar um ar da sua graça. Houve um que respondeu, metendo, abundantemente, água: «Todo o corpo mergulhado num líquido molha-se». Houve um outro que afirmou, convicto, numa prova oral: «Todo o corpo mergulhado num líquido, se ao fim de meia hora não voltar à superfície, deve ser considerado perdido». A este último o professor poderia ter ripostado: «Todo o aluno mergulhado num exame, se ao fim de meia hora não responder nada certo, deve ser considerado chumbado».
A resposta de que os professores estão à espera, o verdadeiro enunciado da lei de Arquimedes, ilustra o modo como, por vezes, se tenta (e consegue!) contar coisas simples de uma maneira bem complicada. Trata-se de uma lengalenga que antigamente era preciso decorar para papaguear nas provas:
«Todo o corpo mergulhado num líquido está sujeito a uma força de direcção vertical, de sentido de baixo para cima, e cuja grandeza é igual ao peso do volume de líquido deslocado».
O que significa isto trocado por miúdos?
Arquimedes teria saltado do banho quando descobriu que o seu corpo, pesadote, parecia mais leve dentro de água. O peso era contrariado por uma força que aparecia no acto da imersão. Essa força chama-se hoje «impulsão». Foi a impulsão que impulsionou Arquimedes a correr pelas ruas de Siracusa. Quando o corpo de Arquimedes flutua, a impulsão é igual ao peso. Com qualquer outro corpo que flutua acontece o mesmo. Arquimedes explicou isto tintim-por-tintim numa obra em dois volumes intitulada Sobre os corpos flutuantes, que chegou até nós parte no grego original e parte numa tradução medieval em latim. Não admira por isso que para muitos alunos a lei de Arquimedes seja grego...e para outros latim!
O barco descrito por Eça afunda-se quando meter muita água. Quando o barco se deita, a água entra rapidamente, tornando o barco cada vez mais pesado. A impulsão não pode então fazer nada para o manter à superfície. Perde na luta com o peso.
Mas a maior parte dos barcos flutua. Vamos ver, com a ajuda de uma série de experiências simples, como é que a lei de Arquimedes funciona, tanto na água como no ar. 

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