Mauro Adorno Filho
Cantinho O IMPACTO 07.09.2013
Técnicas para
minorar as dores
Maurinho Adorno
Os profissionais de branco, de algumas áreas, são considerados carrascos pelos seus pacientes. Não é para menos: em certas situações não conseguem aliviar a dor, e em outras podem tornar o procedimento mais ou menos doloroso. Ou até colaborar de outras formas. Para sofrer menos ou para conseguir algum benefício, os pacientes tentam agradar a esses profissionais, na verdade, uma tentativa de manipulação. Alguns entram na conversa, outros não. Sou mortal, e assim, não fujo à regra.
Por ocasião de meu acidente – atropelei um cavalo – fui diagnosticado como tetraplégico. Internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, eu tive a sorte de ficar em um quarto sozinho. Tinha dois problemas importantes a resolver: autorização para fumar, e alguém para colocar o cigarro em minha boca e tirá-lo após cada baforada. Era um desafio dos maiores de minha vida: fumar dentro de um hospital.
Não lembro o nome de uma das enfermeiras do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT), uma loira balzaquiana, velha na profissão. Tão logo nos conhecemos passei a investigar sua vida: tínhamos uma amiga comum – um verdadeiro milagre, pois eu morava no interior e ela na capital. Nessa conversa, no primeiro dia de internação, ela me disse que era fumante. “Estava fácil”, pensei. Era somente utilizar minha capacidade de convencimento. No dia seguinte, comecei:
– Minha situação é difícil, moro no interior, sinto saudades de meus filhos. E mais blá-blá-blá. Fumo três maços de cigarro por dia e sinto uma vontade louca de fumar.
Ela fechou a porta do quarto, tirou um cigarro, o acendeu e colocou em minha boca. Fez isso durante os dois meses em que permaneci internado. Comprava cigarros para mim, e deixava os maços guardados no quarto, em local secreto. Com minhas irmãs e outros amigos, eu dizia que os médicos haviam autorizado que eu fumasse três cigarros ao dia, após o café da manhã, o almoço e o jantar. É claro que a cada visitante que entrava eu pedia que acendesse um “Free”, dizendo que era o primeiro do dia.
Um amigo meu, fumante inveterado, fez uma operação de apêndice na Santa Casa e se utilizou de uma das práticas comuns de corromper enfermeiras: chocolates. E quem não gosta de chocolates? A tática deu certo por três dias, até que uma enfermeira novata entrou no quarto, sentiu o cheiro de cigarro e chamou a enfermeira-chefe. Deu o maior bafafá. Reuniões com médicos, direção do hospital, funcionários e o pessoal da enfermagem. Não rolaram cabeças pela interferência do Diretor Clínico, um fumante inveterado.
Nos dias atuais, tenho duas sessões semanais de Terapia Ocupacional (TO) e de Fisioterapia. Ambas com exercícios extenuantes, a dor batendo, em um movimento mais forte. Ana Célia, minha Fisio, sempre diz que é preciso alongar mais do que eu aguento, para que haja bons resultados aos meus músculos. De tanto alongar, imagino que um dia sairei de seu consultório como o saci Pererê, sem uma das pernas, e ela a segurando com se fosse um troféu.
Com a Ana Célia procuro refrear seus alongamentos, usando seus dois filhos, ambos meus amigos, o Pedro, de 11 anos e o Vitor de 9. Pergunto deles e faço mil elogios aos garotos. Ela, “mãe loba”, fica feliz, quase chora. Mas, de pouco adianta. Minhas pernas e meus braços que o digam.
A Andréia, minha TO, além de sua profissão, dedica parte de seu tempo à empresa da família. Em virtude disso, fala bastante ao celular. É comunicativa e eu a entretenho, conversando sobre a atualidade. À minha mente surgiu uma ideia para diminuir o sofrimento: pedir aos amigos para acionarem o celular dela bem no horário de minhas sessões.
A melhor técnica para convencer essas pessoas é falar bem da profissão delas: o médico é sempre “o iluminado” por Deus, suas mãos são abençoadas; as enfermeiras são mais importantes do que os médicos, pois de que valeriam os conhecimentos deles se os curativos das cirurgias não fossem feitos com maestria e sem dor? Elas adoram ouvir isso. Até injeção na veia é indolor. Eu tenho minhas técnicas e pretendo compilá-las em um livro, vendê-los e usar os recursos para comprar presentes e chocolates. Para corromper minhas profissionais, é claro.
Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
ex-diretor dos jornais “O Impacto” e “Gazeta Guaçuana”.
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