Uma das cronicas que com certeza será incluida em meu livro: COISAS SIMPLES QUE ME FALTAM Numa manhã chuvosa e melancólica me bateu uma saudade louca e um forte desejo de escrever, de botar os sentimentos numa folha de papel, uma necessidade de deixar o mundo todo saber como as coisas simples da vida fazem falta. Neste mundo em que vivemos, o avanço da tecnologia está fazendo com que desapareça o marco essencial do ser humano que é a sensibilidade. No momento, o único objetivo torna-se material e talvez essa idéia de posse seja, na realidade, o medo do amanha, do desconhecido. Quando deixei o Brasil há mais de 33 anos, sentia-me totalmente insegura, frágil, porém, com uma fé poderosa, uma certeza absoluta que os obstáculos seriam apenas estímulos para quem sabia o que queria. Eu queria conquistar o mundo, deixar de ser um número, um rosto anônimo na multidão, uma peça dessa grande máquina que é a sociedade. Aprendi que na vida nada existe ao acaso, que as coisas não „caem do céu“, por tudo tem-se que lutar e, na maioria das vezes, é preciso renunciar a tantas coisas. Sou feliz aqui, conquistei meu espaço, fiz carreira, formei uma familia e hoje garantidamente posso dizer que já nao sou mais apenas um número na multidão. Por outro lado, não posso negar que muitas coisas me faltam, coisas simples, banais, coisas que, quando se tem, não se dá valor. Falta-me, por exemplo, a comidinha gostosa e caseira da minha mãe, o sorvete da sorveteria do Genaro e, em especial a famosa „Vaca Preta, falta-me aquela comida que você come sabendo que é ruim para o estômago, faz mal, é autodestrutiva e é TÃO gostosa. Aquela que se come em botequins, padarias, feiras, na rua, aquela encontrada nas lembranças da infância. O pastel está em primeiro lugar, o de feira mesmo, do japonês, frito na hora, de carne moida, palmito ou queijo. De carne bem soltinha com uma única azeitona com caroço, nao muita carne, para que, quando sacudido, faça um barulhinho como de chocalho. De queijo, um retângulo bem grande lá em baixo, na última mordida, já começando a endurecer. Ah! O de palmito então nem se fale, bendito na sua umidade. E todos fritos na panela de mil e uma frituras. Quer coisa mais gostosa que comer um pastel encostada no carrinho de feira já cheio, tomando garapa geladinha, com „bobs“ e lenço amarrado na cabeca? Sei que é uma perversidade, mas já fiz muito disso no passado! Falta-me aquele cafezinho de botequim, sim, aquele que se toma no copo mesmo, tão quente que é preciso colocar um guardanapo em volta pra não queimar as mãos. Este copo, na maioria das vezes, até meio ensebadinho, mas quem tá ai com isso? O café no Brasil é um símbolo da hospitabilidade. Em torno da pequena xícara do licor negro, desdobra-se toda a vida brasileira. No café que oferecem os ricos e pobres a pobres e ricos, os brasileiros não dão apenas a bebida saborosa, dão a alma! Com o cafézinho, que tal uma coxinha de galinha com osso e tudo? Nao que eu queira fazer propaganda aqui, mas o cafézinho lá do Bar do Ponto é o melhor de todos! Nas memórias de minha infância despontam perversidades doces também: leite Moca direto da lata; bolacha Maria molhada no café, retirada no momento certo para que não caia dentro da xícara; brigadeiro às colheradas, direto da panela; doce de batada doce bem sequinho; paçoquinha de amendoim; maria-mole; pé-de-moleque daqueles de Festa Junina; bala de côco daquelas que a gente „rouba“ um montão em festas de aniversário; um pedacinho do bolo de casamento „pra levar para o parente que não pôde comparecer“ e que a gente se delicia no dia seguinte com o café. Saudade da canja de galinha quando a gente fica doente, do leite quente antes de dormir, do arroz-doce, dos fios de ovos, do pudim de leite condensado, sagrado de todos os domingos. Nao são só as comidas que me fazem falta, é todo aquele modo simples de viver a vida no interior, o carinho das pessoas que demonstram um prazer enorme em lhe ver, os convites para „passar lá em casa“. E nao me falem pra „passar lá em casa“, pois eu passo mesmo!! Ah que saudade de jogar conversa fora com a vizinha, preferivelmente cada uma carregando a sua cadeira e colocando na calçada. Saudade de organizar um churrasquinho informal com aquela cervejinha estupidamente gelada e o som de um violão tocando um sambinha. Saudade de ouvir piadas de português, jogar um „buraquinho“ com os amigos, ver crianças pulando a „amarelinha“ na rua. Saudade de ouvir o galo cantando de manhã, pássaros no viveiro do vizinho, saudade até daquela musiquinha do caminhão do gás. Quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão aí diante de cada janela, uns dizem que essas coisas já nao existem mais, outros dizem que é preciso aprender a olhar para poder vê-las assim. Eu aprendi. E essas doces lembranças permanecerão vivas dentro de mim até o ultimo dia de minha vida, esteja eu onde estiver!
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