Octacílio e o jejum do Corinthias
Mauro
Adorno
Octacílio dos Santos, o pintor Octacílio, estava
empolgado no mês de outubro de 1977. No domingo, 13, no Morumbi, o Corinthians,
seu time do coração e da alma, iria enfrentar a Ponte Preta pelas finais do
Campeonato Paulista. Era a quebra de um jejum de 22 anos e 8 meses, e ele
precisava estar no Morumbi. Naquela semana, ele exultava em alegria pelo
Palmeiras estar fora da disputa. “Nós derrotamos eles três vezes este ano”,
dizia, sem mencionar a partida em que sua equipe foi goleada pelo alviverde por
4 a 1. O time precisava dele. Ainda mais por ter tido conhecimento de um fato
importante e significativo em sua vida: o Corinthians fora fundado em 1910, por
três pintores residenciais, portanto, colegas de profissão. Era quarta-feira, dia
9.
Naquela noite, no Bar do Jorge, aquele especializado em
lanches, do Jorge Donatti, viu seu Curintia ser derrotado pela própria Ponte
por 2 a 1, de virada. Na finalíssima, dependeria apenas de um empate. E da
torcida dele. A situação era crítica, pois a “Macaca” poderia se tornar o
carrasco de seu time. E ele não poderia admitir isso. Em meio a uma pinga e
outra, umas cervejinhas pagas pelos amigos, embriagado pelo resultado absurdo,
decidiu em definitivo: “eu vou à final”. Remexeu os bolsos, contou o dinheiro,
e se lembrou de que em casa tinha mais um pouco, guardado para dar entrada em
uma televisão em cores, a ser comprada na Casa Botelho. Agora, era só comprar a
entrada antecipadamente, as passagens do “Cometa” e comemorar o desjejum junto
à Fiel.
Pensou em pedir ao Fabiano de Christo Gurjão, o Camarão,
torcedor fanático e uma espécie de embaixador do Corinthians na cidade, para
que comprasse o ingresso. Mas, para sua decepção, ficou sabendo que o Camarão
era íntimo do Wadih Helu e o presidente da época era o Vicente Mateus. E ele
não queria conversa com o pessoal do Wadih. Sempre dizia: Ele – Wadih – ficou 10
anos na presidência e é culpado pela fila. Pensou seriamente em falar com o
Pedro de Paulo Brandão, corintiano que tinha condições de mandar vir seu
ingresso de São Paulo, mas num ímpeto de lucidez, lembrou que não tinha amizade
suficiente para o pedido. Então, falou para o Gustavo, filho do Jorge,
estufando o peito: “vou até lá e compro o ingresso, Custe o Que Custar”. Acho que a Bandeirantes roubou
sua frase.
No domingo, saiu às 4,30 horas da rodoviária, radinho de
pilha debaixo do braço. Na capital, tomou um trem, um ônibus, e mais uns
quilômetros, deparou à sua frente com o majestoso Morumbi. Pensou consigo
“ganhar no estádio do São Paulo será mais saboroso ainda”. Na portaria, a
grande decepção – lotação esgotada. Os 86.400 foram todos vendidos e não sobrou
nenhum deles. Lamuriando, pensou: devia ter pedido ao Pedro Brandão. Naquela
hora lembrou também do Genaro Botelho, para quem trabalhou ainda jovem vendendo
picolé em carrinho de sorvete. Não teria adiantado, pois Genaro era palmeirense
“roxo". Mas, já era tarde. Mesmo assim, Octacílio estava decidido. Pegou
todo o dinheiro da entrada da televisão, estufou novamente o peito e disse com
orgulho a um cambista: “dá um ingresso, pois não poderei perder essa partida”.
Estava pronto para ver seus ídolos ao vivo. Só os via
numa televisão chuviscada e a nova tinha virado pó. Ao chegar à portaria, nova
decepção – o ingresso era mais frio que inverno no Polo Norte. Chorou ao contar
seu infortúnio ao porteiro. Não teve jeito. Octacílio sentou numa sarjeta,
sacou seu radinho e, junto de alguns companheiros de torcida, começou a escutar
a transmissão do Fiori Gigliotti. Aos 16 minutos, vibrou com a expulsão de Rui
Rei, excelente atacante da Ponte. O sofrimento acabou aos 36 minutos do segundo
tempo, com um gol de Basílio. Octacílio feliz. Não importava se a vitória saiu
pela macumba do Mateus ou se ele não entrou no estádio. Fim do sofrimento de 22
anos. Festa total. Na segunda-feira, às 7 horas, um “Cometa” encosta na
Rodoviária. Octacílio desce, vai ao bar, pede um cafezinho e diz orgulhosamente
ao balconista: “estou chegando de São Paulo; fui assistir à vitória do meu
Curintia”. Como se estivesse assistido de camarote.
Mauro
de Campos Adorno Filho é jornalista
e
ex-diretor dos jornais O Impacto e
Gazeta Guaçuana.
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